Por que algumas ideias sobre o funcionamento do cérebro parecem fazer tanto sentido, mesmo estando completamente erradas? À primeira vista, muitas crenças a respeito desse órgão soam perfeitamente lógicas. No entanto, por trás de afirmações aparentemente convincentes, esconde-se uma teia de equívocos que hoje conhecemos como <Neuromitos>
O que são Neuromitos?
O termo Neuromito refere-se a concepções equivocadas sobre o funcionamento do cérebro que, apesar de contradizerem evidências científicas já estabelecidas, continuam sendo amplamente aceitas e propagadas na sociedade. São ideias que se cristalizaram no imaginário popular e, frequentemente, ganharam status de verdade devido à sua aparente plausibilidade e à forma como se relacionam com nossa experiência cotidiana. A persistência desses mitos representa um grande desafio, pois mesmo quando confrontados com dados concretos, eles tendem a se manter resilientes em nossa cultura, influenciando decisões e práticas em diversos campos.
Neuromitos Persistentes: Desmistificando Crenças Populares sobre o Cérebro
Entre os diversos neuromitos que circulam em nossa sociedade, alguns se destacam por sua persistência e ampla aceitação. Examinaremos aqui algumas crenças – ou entendimentos – equivocados sobre a estrutura e o funcionamento básico do cérebro.
Tamanho do Cérebro e Inteligência: Uma Correlação Equivocada
A crença de que o tamanho do cérebro determina a inteligência é um dos Neuromitos mais antigos e persistentes. Ele sugere que indivíduos com cérebros maiores possuem habilidades cognitivas superiores, como raciocínio lógico, memória ou criatividade. Essa ideia ganhou força no século XIX, com a Frenologia (pseudociência que afirmava ser possível identificar a personalidade e a inteligência por meio do formato do crânio).
A lógica por trás do mito parece simples: mais volume cerebral significaria mais neurônios e, consequentemente, mais capacidade intelectual. Mas vamos aos fatos: o cérebro humano adulto pesa, em média, 1.300 a 1.400 gramas (ou ocupa cerca de 1.200-1.300 cm³), e esse número varia naturalmente entre indivíduos. No entanto, a realidade é bem mais complexa:
- Comparação entre espécies: Baleias (cérebro de 7.800 gramas) e elefantes (cérebro de 5.000 gramas) têm cérebros 3 a 6 vezes maiores que os humanos, mas não são mais inteligentes. O que nos diferencia é a densidade de conexões neurais e a organização do córtex cerebral, não o tamanho bruto.
- Diversidade humana: Estudos com ressonância magnética mostram que diferenças de volume cerebral entre pessoas não se correlacionam com QI ou habilidades específicas. Albert Einstein, por exemplo, tinha um cérebro de 1.230 gramas (abaixo da média), mas apresentava áreas com densidade sináptica incomum.
- Eficiência vs. tamanho: A inteligência depende da eficiência das redes neurais, não da quantidade de tecido cerebral. Um cérebro menor, mas altamente conectado, pode superar um maior e menos organizado.
O Mito dos Hemisférios: A Falsa Divisão entre Lógica e Criatividade
Esse Neuromito propaga a ideia de que os hemisférios cerebrais funcionam de maneira independente e oposta: o hemisfério esquerdo seria o “lado lógico” (responsável por matemática e análise), enquanto o direito seria o “lado criativo” (ligado à arte e intuição). A crença popular surgiu de uma interpretação equivocada dos estudos do neurocientista Roger Sperry, na década de 1960. Sperry pesquisou pacientes que passaram por uma cirurgia chamada Calosotomia, onde o cérebro é dividido para tratar epilepsia grave.
Apesar de algumas funções serem mais ativas em um determinado hemisfério, o cérebro opera como um sistema integrado:
- Conexão contínua: O corpo caloso liga os hemisférios, permitindo comunicação constante. Até tarefas “lógicas” envolvem criatividade, e vice-versa.
- Neuroimagens não mentem: Estudos com fMRI mostram que ambos os hemisférios são ativados simultaneamente em quase todas as atividades. Compor uma música, por exemplo, exige ritmo (esquerdo) e melodia (direito).
- Sem dominância fixa: Estudos em neurociência mostram que não há um padrão fixo de lateralização cerebral. Até mesmo em atividades consideradas puramente lógicas, como a matemática, o hemisfério direito (associado à criatividade) tem participação ativa.
O Mito dos 10%: A Falsa Crença sobre o Uso Limitado do Cérebro
Um dos Neuromitos mais difundidos afirma que os seres humanos usam apenas 10% do cérebro, sugerindo que 90% do órgão permanece inativo. Essa ideia, popularizada por filmes e livros de autoajuda, promove a falsa noção de que poderíamos “desbloquear” habilidades o “potencial oculto” do cérebro. O mito ganhou força no século XX, provavelmente a partir de mal-entendidos sobre pesquisas neurológicas iniciais ou citações fora de contexto, como a afirmação do psicólogo William James sobre “potencial humano não utilizado”, que nunca mencionou 10%.
A neurociência moderna desmontou essa crença com evidências bastante robustas:
- Neuroimagens revelam atividade global: Técnicas como Ressonância magnética funcional (fMRI) e tomografia por emissão de pósitrons (PET scan) mostram que todo o cérebro é utilizado, mesmo em repouso. Atividades simples, como fechar os olhos ou lembrar um nome, envolvem múltiplas regiões simultaneamente.
- Custos evolutivos: Se 90% do cérebro fosse dispensável, a seleção natural já teria eliminado esse “excesso”. O cérebro consome 20% da energia corporal – um gasto injustificável para um órgão supostamente subutilizado.
- Danos cerebrais são catastróficos: Lesões em qualquer área (mesmo pequenas) causam perdas de funções específicas, como linguagem, movimento ou memória. Isso comprova que não há regiões “ociosas”.
Neuromitos na Aprendizagem: Quando os Equívocos Invadem a Sala de Aula

A área educacional é particularmente suscetível à propagação de Neuromitos, especialmente aqueles relacionados ao processo de aprendizagem. Analisaremos três crenças populares que, embora amplamente difundidas no ambiente educacional, não correspondem à realidade demonstrada pela pesquisa científica. Abaixo seguem alguns bastante recorrentes.
Alunos aprendem melhor quando ensinados em seu estilo de aprendizagem preferido
No que consiste: A ideia de que cada pessoa tem um “estilo de aprendizagem” predominante (ex.: visual ou auditivo) e que adaptar o ensino a esse estilo otimiza o aprendizado.
Por que não se sustenta: Estudos seminais, como o de Pashler et al. (2008), demonstram que não há evidências científicas de que alinhar métodos de ensino a supostos “estilos” melhora resultados. Pesquisas posteriores, incluindo Engels et al. (2018), afirmam não haver evidências de que adaptar métodos a supostas preferências individuais melhora resultados acadêmicos.
Crianças devem aprender uma segunda língua antes dos 7 anos, ou nunca serão fluentes
No que consiste: A crença de que há uma “janela crítica” irreversível para a aquisição de idiomas, fechando-se na infância, tornando adultos incapazes de alcançar fluência.
Por que não se sustenta: Estudo como os de Hartshorne et al. (2018) revelam que adultos aprendem gramática e vocabulário com eficiência similar (ou maior) à das crianças. A vantagem infantil restringe-se à pronúncia, e a neuroplasticidade – capacidade do cérebro de se adaptar, comprovada por Draganski et al. (2004) – permite essa aprendizagem em qualquer idade, desde que haja motivação e prática consistentes.
Pessoas mais velhas são incapazes de aprender
No que consiste: O mito de que adultos, especialmente idosos, não podem adquirir novos conhecimentos ou habilidades devido ao “declínio cerebral irreversível”. Essa ideia é especialmente prejudicial na Educação de Jovens e Adultos (EJA), desestimulando alunos e educadores.
Por que não se sustenta: A neuroplasticidade – já mencionada na capacidade de aprender idiomas em qualquer idade – persiste por toda a vida. Estudos como os de Draganski et al. (2004) e Lövdén et al. (2010) comprovam que idosos desenvolvem novas conexões neurais ao aprender habilidades complexas (ex.: música, tecnologia), com aumento mensurável na densidade da matéria cinzenta.
Ouvir Mozart aumenta a Inteligência
No que consiste: A crença de que música clássica, especialmente Mozart, estimula o QI ou a capacidade cognitiva de crianças e adultos. Esse mito gerou preconceitos contra outros gêneros musicais, como se fossem “inferiores” para o desenvolvimento intelectual.
Por que não se sustenta: O estudo original de Rauscher et al. (1993) mostrou apenas uma melhora temporária (10-15 minutos) em tarefas espaciais após ouvir Mozart – não aumento de inteligência geral. Meta-análises robustas, como a de Pietschnig et al. (2010), concluíram que o efeito é irrelevante na prática, sem impacto significativo em habilidades cognitivas de longo prazo. Além disso, pesquisas como a de Schellenberg & Weiss (2013) demonstram que qualquer música que cause prazer ou relaxamento (seja clássica, pop ou instrumental) pode melhorar temporariamente o foco e o humor, facilitando atividades que exigem concentração.
Conclusão: Desmistificando o Cérebro

Os Neuromitos, apesar de sua aparente lógica e ampla aceitação, contradizem o conhecimento científico atual sobre o funcionamento cerebral. Seja falsas correlações ou interpretações reducionistas, todos distorcem a compreensão de um órgão extraordinariamente complexo. Ao reconhecermos esses equívocos, abrimos caminho para abordagens educacionais e sociais mais eficazes, baseadas na verdadeira natureza do cérebro: um sistema integrado, plástico e adaptável em todas as fases da vida.
E você, já acreditou em algum desses Neuromitos? Compartilhe suas experiências nos comentários e ajude a espalhar conhecimento científico de qualidade sobre o cérebro compartilhando este post em suas redes sociais. Juntos, podemos construir uma compreensão mais precisa sobre como realmente funcionamos!
Excelente texto !!!