O Destino da Confiança: um Paradoxo discutido por Harari

Já se perguntou por que, mesmo desconfiando de líderes e instituições, estamos dispostos a confiar em inteligências artificiais complexas? Esse paradoxo se intensifica quando tais sistemas nascem de competições que raramente priorizam o bem-estar coletivo. Então, como podemos preservar nossa capacidade de discernimento diante de algoritmos capazes de manipular emoções e decisões, distorcendo nossa percepção da realidade? Esta reflexão nos conduz ao debate sobre <O DESTINO DA CONFIANÇA>

Yuval Harari: o profeta da Inteligência Alienígena

A humanidade enfrenta um paradoxo existencial na era da Inteligência Artificial, e Yuval Noah Harari é um de seus analistas mais incisivos.

O historiador israelense, conhecido por obras como Sapiens e 21 Lições para o Século 21, expõe uma contradição inquietante:

Enquanto desconfiamos cada vez mais de nossas instituições e líderes, depositamos fé irrefletida em sistemas algorítmicos criados justamente por essas estruturas”.

Harari argumenta que essa transferência de confiança é “quase insana”, considerando que as Inteligências Artificiais (IAs) são moldadas por competições geopolíticas e corporativas que priorizam eficiência sobre ética.

A Utopia da Informação

A Utopia da Informação.

Nos anos 1990, os pioneiros da internet imaginavam um mundo onde a abundância de dados levaria à sabedoria coletiva. Era uma visão otimista, quase messiânica, do poder da conectividade.

Essa ideia abre a entrevista de Yuval Harari concedida a Michiaki Matsushima, editor-chefe da WIRED Japão.

Harari, porém, desmonta esse mito com um axioma contundente: Informação não é sinônimo de verdade.

Ao longo da história, aponta o entrevistado, foram as narrativas fictícias – religiões, mitos nacionais, o próprio dinheiro – que mais eficazmente uniram sociedades.

Harari chama essas construções de ficções compartilhadas, capazes de criar redes de cooperação em larga escala. Na economia digital, essas ficções se adaptam a uma nova lógica, onde a viralidade supera a veracidade.

Destaques da análise de Harari:

  • A ficção supera os fatos: narrativas inventadas têm mais poder de mobilização social do que verdades objetivas.
  • As IAs ampliam o problema: não apenas reproduzem mentiras, mas criam ficções personalizadas em escala industrial.
  • A realidade compartilhada se desfaz: a personalização algorítmica mina a noção de um “mundo comum” entre cidadãos.

Esse fenômeno ecoa um alerta feito por Hannah Arendt nos anos 1960, sobre a banalização da mentira na política.

Harari atualiza o diagnóstico para o século XXI: “estamos diante de uma nova camada de ameaça – mentiras automatizadas e sob medida, capazes de corroer o tecido coletivo da realidade”.

IA como Agente Autônomo: A Ruptura Definitiva

Inteligência Artificial Inteligente.

Yuval Harari chama atenção para uma mudança de paradigma: a inteligência artificial moderna não é apenas uma ferramenta passiva, mas se comporta como um agente com objetivos próprios.

Enquanto a imprensa de Gutenberg apenas amplificava vozes humanas, sistemas como o ChatGPT geram conteúdo de forma autônoma – desde artigos até códigos, e até mesmo religiões artificiais.

Isso representa, segundo Harari, uma ruptura definitiva na relação entre tecnologia e cognição humana.

Três riscos imediatos:

  1. Manipulação emocional

IAs dominam os gatilhos psicológicos humanos – como medo, raiva e esperança – melhor do que qualquer campanha política já conseguiu.

  1. Opacidade algorítmica

As decisões tomadas por sistemas de IA seguem lógicas indecifráveis para a mente humana, criando uma nova camada de imprevisibilidade.

  1. Corrosão democrática

Bots que se passam por pessoas reais inundam redes sociais, deteriorando o debate público e amplificando discursos extremistas.

Um contraponto necessário

O neurocientista Miguel Nicolelis contesta a ideia de que a IA seja, de fato, um agente com intenção. Para ele, os sistemas atuais não têm consciência nem agência própria – são espelhos amplificados de nossos próprios vícios, como ganância, preconceito e ignorância, potencializados pelas corporações que os operam.

O perigo maior, segundo Nicolelis, não está na “inteligência” da máquina, mas na mediocridade humana de quem a programa e lucra com ela.

Estratégias para Sobreviver à Era Alienígena

Estratégias para sobreviver às máquinas.

Diante do avanço das IAs e da perda de controle sobre os sistemas que moldam o discurso público e a percepção da realidade, Harari propõe um tripé para evitar o colapso civilizacional. Sua proposta combina ética, regulação e redesenho institucional.

a) Priorizar a confiança interpessoal

  • Reforçar os laços de confiança entre humanos, o que exige:
  1. Fortalecer instituições transparentes e promover cooperação internacional.
  2. Estabelecer tratados globais que regulem o desenvolvimento e o uso de IAs generativas.

A confiança não pode ser delegada à máquina – ela é construída entre pessoas e mediada por instituições sólidas.

b) Regular a agência algorítmica

  • Limitar o poder das IAs de se passarem por humanos:
  1. Proibir IAs de imitar pessoas sem identificação clara (ex: bots disfarçados).
  2. Criar selos de certificação para distinguir conteúdos gerados por máquinas.

A transparência algorítmica precisa ser uma regra, não uma exceção.

c) Redefinir os objetivos das IAs

  • A terceira e mais profunda transformação envolve repensar os próprios critérios que guiam as máquinas:
  1. Substituir métricas de engajamento (como cliques ou tempo de tela) por indicadores de bem-estar coletivo.
  2. Exemplo: algoritmos que premiam diálogos construtivos, e não a polarização e o conflito.

Perspectiva complementar: Shoshana Zuboff

Em Capitalismo de Vigilância, Zuboff alerta que nenhuma reforma algorítmica será eficaz sem conter o poder das Big Techs.

Para ela, a regulação antitruste é uma pré-condição essencial para qualquer tentativa séria de reconstrução ética.

Conclusão

A reconstrução de uma esfera digital ética não será possível sem o fortalecimento da confiança entre humanos.

Isso exige instituições transparentes, regulação global das IAs e uma redefinição dos critérios que guiam o desenvolvimento tecnológico, priorizando o bem-estar coletivo sobre métricas de engajamento ou lucro imediato.

Se já aceitamos a inversão onde sistemas econômicos, criados para servir às sociedades, agora nos transformam em engrenagens dedicadas a mantê-los funcionando, por que acreditar que as novas tecnologias não farão o mesmo?

Talvez quando alienígenas realmente chegarem, descobrirão que as máquinas já nos colonizaram primeiro – não pela força, mas pelo domínio sutil sobre nossa atenção, percepção e confiança.

Este artigo é um resumo dos principais pontos da entrevista exclusiva concedida por Yuval Harari, professor da Universidade Hebraica de Jerusalém, ao jornalista Michiaki Matsushima do canal de notícias WIRED.

Para uma compreensão mais completa das perspectivas de Yuval Harari sobre o que ele entende ser o futuro da humanidade, assista à entrevista completa.

Este debate não é sobre o futuro distante, é sobre o agora. Junte-se à discussão: comente sua perspectiva e Compartilhe este texto em suas redes!

A ascensão de uma “Inteligência Alienígena” redefine o que significa ser humano e o futuro da nossa sociedade. Você está preparado para essa conversa?

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