Já imaginou como as nações europeias construíram seus vastos impérios coloniais? Para muitos, esse processo parece ter sido apenas fruto de ousadas expedições marítimas. No entanto, por trás das caravelas e mapas havia um conjunto de práticas econômicas voltadas para um objetivo claro: o fortalecimento do Estado por meio da acumulação de riquezas. No século XIX, estudiosos cunharam um termo para descrever esse fenômeno: <Mercantilismo>
O Que Foi o Mercantilismo?
O Mercantilismo não foi uma teoria econômica em sentido estrito, mas um conjunto de práticas e ideias que nortearam a política de grande parte da Europa entre os séculos XV e XVIII. Em um cenário de profundas transformações, caracterizado pela consolidação dos estados nacionais e pela expansão colonial, o Mercantilismo emergiu como a primeira tentativa sistemática de desenvolver a riqueza das nações.
Este período histórico foi importante para a transição do Feudalismo para o Capitalismo como modo de produção dominante naquele espaço geográfico. Os governos, à época tendendo a um maior nível de centralização, dedicaram-se ativamente ao acúmulo de metais preciosos, ao fortalecimento do comércio exterior e à manutenção de seu poderio militar.
Mas, como essas ideias se desenvolveram, e quais foram as suas principais características?
Mercantilismo: a busca da riqueza

O desenvolvimento das ideias mercantilistas não ocorreu de forma repentina ou a partir de um único pensador. Em vez disso, o Mercantilismo emergiu gradualmente, moldado pelas necessidades e desafios práticos dos estados nacionais europeus em ascensão. À medida que os reinos se consolidavam e buscavam expandir seu poder e influência, os governantes começaram a implementar políticas que, retrospectivamente, foram identificadas como mercantilistas.
Para entender melhor como essas práticas ganharam força, podemos destacar alguns pontos importantes:
- Consolidação dos Estados Nacionais: O fortalecimento das monarquias centralizadas na Europa exigiu recursos financeiros e humanos cada vez maiores. Os reis necessitavam de exércitos, funcionários públicos e meios para projetar seu poder, o que impulsionou a busca por políticas que aumentassem a arrecadação de impostos.
- Expansão Marítima e Colonial: As Grandes Navegações e a descoberta de novas rotas comerciais e territórios coloniais abriram um leque de oportunidades e desafios. A exploração de colônias prometia acesso a metais preciosos, matérias-primas e mercados consumidores, intensificando a competição entre as potências europeias.
- Transição do Feudalismo para o Capitalismo Comercial: A lenta e gradual superação das estruturas feudais, associada à Revolução Comercial, e a crescente importância do comércio criaram um ambiente propício para o desenvolvimento de práticas mercantilistas. O foco deixou de ser a economia agrária de subsistência e passou a ser o comércio e a acumulação de capital.
- Influência de Pensadores e Práticas: Embora o mercantilismo não tenha tido um “pai fundador”, diversos autores e figuras políticas da época contribuíram para a formulação e disseminação de ideias que se encaixam no escopo mercantilista. Podemos citar, por exemplo:
Rainha Elizabeth I (1533-1603): Figura política da Inglaterra cujas práticas e políticas na era Tudor, como o estímulo à expansão marítima e o fortalecimento do poder estatal, anteciparam muitos princípios mercantilistas.
Thomas Mun (1571-1617): Mercador inglês cujos escritos defenderam a importância da balança comercial favorável e da acumulação de metais preciosos para a riqueza de uma nação.
Jean-Baptiste Colbert (1619-1683): Ministro francês que implementou políticas mercantilistas sistemáticas na França, focadas em protecionismo, incentivo à manufatura e expansão colonial.
Quais foram as características essenciais do Mercantilismo?
As características do Mercantilismo podem ser entendidas como um conjunto de princípios que visavam fortalecer o Estado-nação e aumentar seu poder e riqueza em um contexto de competição internacional. Embora houvesse variações nas políticas mercantilistas implementadas por diferentes países, algumas características centrais se repetiam e podem ser identificadas.
Podemos elencar as seguintes características principais do Mercantilismo:
- Metalismo: Acreditava-se que a riqueza de uma nação era medida pela quantidade de metais preciosos (ouro e prata) que ela possuía. Essa crença incentivava a busca por colônias ricas em minérios e a manutenção de uma balança comercial superavitária para atrair metais preciosos para o país.
- Balança Comercial Favorável: O objetivo central era exportar mais bens do que importar, gerando um saldo positivo na balança comercial. Acreditava-se que esse superávit traria riqueza para a nação, sob a forma de entrada de metais preciosos.
- Protecionismo: Para garantir a balança comercial favorável, os governos mercantilistas adotavam medidas protecionistas, como a imposição de altas tarifas alfandegárias sobre produtos importados e o incentivo às exportações, muitas vezes através de subsídios e monopólios.
- Intervenção Estatal na Economia: O Estado desempenhava um papel central na economia, regulando o comércio, a produção e a navegação. Essa intervenção visava garantir o cumprimento dos objetivos mercantilistas, como o acúmulo de metais preciosos e a balança comercial favorável.
- Colonialismo: A posse de colônias era vista como fundamental para o sucesso das políticas mercantilistas. As colônias forneciam matérias-primas, metais preciosos e mercados consumidores para os produtos da metrópole, além de serem importantes bases estratégicas.
- Monopólios Comerciais: Os governos mercantilistas frequentemente concediam monopólios comerciais a companhias privilegiadas, como as Companhias das Índias Orientais. Esses monopólios garantiam o controle estatal sobre rotas comerciais lucrativas e a exploração de recursos coloniais.
Crítica ao Mercantilismo: A visão de Adam Smith

Embora o mercantilismo tenha sido a prática dominante por séculos, ele não passou despercebido pelas críticas de diversos pensadores. Já no século XVIII, vozes se levantaram questionando a lógica e os resultados das políticas mercantilistas. A crítica mais contundente e influente veio de Adam Smith, escocês considerado o pai da economia moderna. Em sua obra seminal, Uma Investigação sobre a Natureza e as Causas da Riqueza das Nações, popularmente conhecida como A Riqueza das Nações, publicada em 1776, Smith demoliu os pilares do pensamento mercantilista, oferecendo uma nova perspectiva sobre a riqueza e o desenvolvimento econômico.
Smith argumentava que a verdadeira riqueza das nações não residia no acúmulo de metais preciosos, mas sim na capacidade produtiva de sua economia. Ele criticava o foco excessivo no ouro e na prata, apontando que esses metais eram apenas meios de troca, e não a própria riqueza. Para Smith, a fonte da prosperidade era a divisão do trabalho e a livre concorrência em um mercado desregulado.
A crítica de Adam Smith não apenas representou um ataque intelectual ao mercantilismo, mas também pavimentou o caminho para uma revolução no pensamento econômico. Suas ideias lançaram as bases do liberalismo econômico, doutrina que viria a dominar o debate e as políticas econômicas nos séculos seguintes. A defesa do livre mercado, da divisão do trabalho e da especialização produtiva, propostas por Smith, tornaram-se pilares de uma nova visão de como as nações poderiam prosperar, em contraposição às restrições e ao intervencionismo mercantilista.
Conclusão: Como o passado colonial molda o mundo atual
Poderíamos pensar que o mercantilismo, com suas práticas e ideias dos séculos XVI ao XVIII, seria um tema distante da nossa realidade. No entanto, engana-se quem pensa assim. Embora o mundo contemporâneo seja profundamente diferente, muitos elementos do pensamento mercantilista ainda persistem e influenciam as políticas econômicas e as relações internacionais nos dias atuais. Basta observar as tensões comerciais entre grandes potências, as políticas protecionistas que reaparecem em diversos países.
Suas práticas, como a busca por balanças comerciais favoráveis e o controle de rotas estratégicas, estabeleceram padrões para o comércio internacional e as relações econômicas entre as nações que reverberam até hoje. Mesmo em um mundo interconectado, o protecionismo, as disputas por mercados e recursos, e o nacionalismo econômico que prioriza a “riqueza nacional” acima da cooperação global, ecoam os princípios centrais do mercantilismo, influenciando políticas e alimentando tensões geopolíticas.
Ao entendermos a respeito desse assunto, portanto, não apenas visualizamos um sistema econômico do passado, mas sim desvendamos as raízes históricas de muitos desafios contemporâneos. Compreender as dinâmicas de poder e riqueza da era mercantilista nos oferece ferramentas importantes para analisar criticamente o presente — pois o passado mercantilista, longe de ser uma relíquia histórica, continua a nos interpelar e a exigir uma análise crítica para compreendermos o mundo em que vivemos.
Referências
BUTLER, E. (2011). The condensed wealth of nations.
NUNES, A. J. (2005). Mercantilismo/mercantilismos. Estudos em memória do Professor Doutor António Marques dos Santos.
Este artigo é uma adaptação para fins de divulgação. Para estudos aprofundados, consulte as obras acima.
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